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8 de março de 2023 - Na Mídia

Mulheres no VC: um panorama dos avanços e principais desafios

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Apesar da evolução em diversidade e representatividade feminina nos últimos anos, avanços são tímidos e caminham a passos lentos

De forma geral, o ecossistema nacional de startups evoluiu em diversidade e representatividade feminina nos últimos anos. Mas os avanços são tímidos e caminham a passos lentos. Há 10 anos, empresas de base tecnológica fundadas apenas por mulheres representavam 4,4% do mercado total. Hoje, o índice é de 4,7%, segundo o “Female Founders Report 2021”, estudo elaborado pelo Distrito com a Endeavor e a B2Mamy.

Desigualdade de gênero
Desigualdade de gênero
Foto: Canva / Startups

“Ainda temos um longo caminho para realmente enxergar avanços expressivos, mas percebo que há um maior número de mulheres interessadas em fazer investimento em startups. Isso colabora demais para que mais empresas com liderança feminina consigam captar. As causas se conectam e o processo de explicar o potencial e a importância da empresa geralmente fica mais tranquilo”, afirma Lettycia Vidal, fundadora da femtech Gestar.

Bianca Pereira, co-fundadora da fintech Portão 3, observa um aumento de iniciativas de investimento voltadas exclusivamente para mulheres, além de aceleradoras e programas de mentoria criados para apoiar empreendedoras a validar um negócio, escalar a empresa e captar investimentos. No Brasil, alguns exemplos são o SororitêBlackWinMulheres Investidoras Anjo (MIA) We Ventures, com foco em investimentos, e hubs e redes de apoio como B2Mamy, Ela Vence, The New Squad e a Rede Mulher Empreendedora

Mas a conclusão unânime entre as empreendedoras – essas, e tantas outras que formam o ecossistema brasileiro – é que muito ainda precisa ser feito. “Pelo menos agora as pessoas estão falando que há um problema grave. Inúmeras pesquisas apontam que times diversos são mais inovadores e melhores financeiramente. Por outro lado, o número de startups fundadas apenas por mulheres no Brasil está estagnado há 10 ano”, analisa  Flávia Mello, cofundadora do Sororitê, rede de investidoras-anjo focada em apoiar empresas fundadas por mulheres.

A disparidade reflete no volume de dinheiro investido nessas empresas, que receberam apenas 0,04% dos mais de US$ 3,5 bilhões aportados no mercado brasileiro em 2020. “As pessoas precisam entender que há ecossistemas que estão muito atrás. Tanto quando olhamos para os investidores, considerando que as mulheres tiveram um empoderamento financeiro muito recente, e para as fundadoras”, pontua.

Bianca Pereira, Portão 3
Bianca Pereira, Portão 3
Foto: Divulgação / Startups

Principais desafios

Uma publicação da Harvard Business Review revela que os investidores preferem propostas feitas por empresários do sexo masculino do que pitchs feitos por uma mulher, mesmo quando o conteúdo da apresentação é o mesmo. Na hora da negociação, as perguntas feitas para homens em busca de capital giram em torno das vantagens e ganhos potenciais do negócio, enquanto as empreendedoras recebem uma abordagem mais preventiva, com foco nas perdas potenciais e mitigação de riscos.

O estudo Female Founders Report, revela que mais de 60%  das fundadoras disseram já terem sido questionadas por investidores se “teriam condições” de tocar o negócio, 45,7% se “conheciam termos técnicos básicos” e 14,2% se a empresa “tem um homem no quadro societário”. Além disso, 72,4% que passaram pelo processo de captação afirmaram terem sofrido assédio moral, principalmente relacionado a questões de gênero e maternidade.

Segundo a pesquisa, algumas razões para a disparidade de investimentos são a desigualdade de gênero no ecossistema de VC e a alocação desigual de capital entre empresas lideradas por homens e mulheres. O momento mais difícil da captação, de acordo com 41,1% das founders mapeadas, é o 1º contato com o investidor, seguido pela hora do pitch (36,2%) e o Due Diligence, processo de análise de informações de uma determinada empresa (19,7%).

Para Lettycia Vidal, o principal desafio na captação foi acessar investidores em potencial que tivessem sinergia com o negócio da Gestar. A plataforma conecta gestantes e famílias a profissionais que atuam de forma humanizada na saúde materno-infantil. “Tivemos a honra de receber nosso 1º aporte em 2021 com o Black Founders Fund, do Google for Startups. Esse sem dúvida foi o pontapé que precisávamos para seguir construindo a Gestar até o momento em que pudéssemos encontrar novos investidores”, diz a empreendedora.

A rodada mais recente foi um crowdfunding de R$ 410 mil feito na plataforma 3C Invest, com 60 investidores incluindo a BlackWin, 1ª plataforma de investidoras-anjo negras do Brasil, e a Lighthouse, casa de investimentos em venture capital. “Pensando em cenário macroeconômico no ano de 2022, sentimos também o impacto externo em relação a tudo que aconteceu no mercado e atravessar essas adversidades foi um grande desafio”, conta Lettycia.

Lettycia Vidal, fundadora da Gestar
Lettycia Vidal, fundadora da Gestar
Foto: Divulgação / Startups

Dinheiro na mão

Do outro lado da mesa de negociação, o cenário não é muito diferente. As mulheres investidoras são minoria na hora de assinar os cheques, seja nos fundos de venture capital ou redes de investimento-anjo. Nos Estados Unidos, elas ocupam apenas 16% dos cargos de general partners de VCs e 95,5% das empresas de VC têm um grupo majoritariamente masculino de tomadores de decisão.

Os dados foram publicados em novembro de 2022 pelo Pitchbook divulgados pela Associação Latino-Americana de Private Equity & Venture Capital (Lavca). Especificamente para o Vale do Silício, a proporção de GPs do sexo feminino aumentou de 15,4% para 17,1% entre 2020 e 2021. Um avanço importante, mas ainda pequeno. Em outros mercados, dados confiáveis para a comparação são mais difíceis de encontrar.

“Houve uma mobilização no mercado para fazer investimentos com lente de gênero. A partir disso, também houve o despertar para o lado do investidor. Esses movimentos estão ganhando força e são necessários para trazer a tomada de consciência e partir para uma ação”, afirma Lícia Souza, CEO da We Impact, venture builder que investe em startups com liderança feminina. Mas o cenário ainda engatinha para uma real transformação.

Ela observa que a mudança do lado das gestoras e fundos de investimento é mais lenta do que na alocação de dinheiro em empresas lideradas por mulheres. “No deploy de capital com lente de gênero é possível acessar outras fontes de capital que não sejam o investidor tradicional de venture capital”, explica. Lícia cita capital catalítico e investimento de impacto, que podem ser interessantes para as gestoras que desejam variar suas teses. 

“No entanto, as gestoras normalmente são empresas com times pequenos, enxutos e muito tradicionais. Embora viabilize muita tecnologia, é um negócio feito da mesma maneira há anos. Investe em inovação, não significa que inova. Vai demorar muito tempo para ter mulheres em posição de decisão dos investimentos, pois é um movimento geracional”, pontua. “Minha aposta é que os LPs pressionem por esse tipo de indicador e o fundraising do VC institucional venha com essa contrapartida, não só retorno financeiro.”

Lícia Souza, CEO da We Impact
Lícia Souza, CEO da We Impact
Foto: Divulgação / Startups

Inverno ainda mais frio

Como já dizia Simone de Beauvoir, basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. “Em qualquer crise do mundo, as opressões acontecem de acordo com a vulnerabilidade social. É um problema sistêmico e não poderia ser diferente [no mercado de startups]. Nenhum ecossistema está imune a isso”, observa Flávia Mello,

Se para as empreendedoras já era difícil conseguir investimento quando havia abundância de dinheiro disponível, a situação fica ainda mais complicada com a seca no venture capital. “Em um cenário positivo já era desafiador. Hoje, temos uma retração muito grande, com cada vez menos capital disponível, o que afeta mais ainda as mulheres. Agravou-se ainda mais um cenário que já era muito complicado para as empreendedoras”, diz Lícia, da We Impact

Ela percebe uma mudança de comportamento do investidor, que está buscando muito mais segurança para assinar um cheque. Por isso, a tendência é que apostem principalmente em negócios que já levantaram rodadas anteriores, não nos que estão fazendo esse processo pela primeira vez. “As mulheres sofrem desde antes para construir os seus negócios: são minoria em carreiras de tecnologia, um número pequeno entre as fundadoras e têm baixo acesso a capital. Com isso, uma parcela muito pequena conseguirá acessar esse dinheiro.”

Os aportes de VC em empresas lideradas por mulheres somaram apenas 2% do total investido em 2022, de acordo com o estudo All In: Female Founders in the US Ecossystem do Pitchbook, divulgado pelo Neofeed. Essas startups levantaram US$ 4,3 bilhões, distribuídos em 922 deals. Lettycia Vidal, da Gestar, reconhece que o inverno foi severo para todo o mercado, mas que isso também impacta as startups de liderança feminina. “Já recebíamos poucos investimentos, e essa proporção continuou”, analisa.

Bianca Pereira, da Portão 3, traz uma visão semelhante: “Dada a disparidade do número de fundadoras mulheres com homens, acredito com certeza que o que já não é fácil, ficou ainda mais difícil”. A fintech levantou sua rodada mais recente durante esse período. Um cheque de R$ 19 milhões com investidores globais como Better Tomorrow Ventures (BTV), Endeavor Scale Up, Fincapital, Pareto, Flexport e investidores-anjo. “Pessoalmente, não senti diferença além de uma maior cautela dos fundos como um todo. Mas entendo que isso pode ser apenas a minha realidade e vivência”, diz a cofundadora.

Flavia Mello
Flavia Mello
Foto: Reprodução LinkedIn / Startups

E a interseccionalidade?

Os avanços em empresas de base tecnológica são ainda mais tímidos quando olhamos para marcadores específicos como mulheres negras, indígenas, com deficiência e LGBTQIA+. Apesar de uma luta por direitos cada vez mais evidente, os desafios para trabalhar e empreender, como o baixo acesso às vagas, falta de acolhimento nas organizações e menor acesso ao capital, permanecem.

De acordo com o Mapeamento do ecossistema brasileiro de Startups 2021, publicado pela Associação Brasileira de Startups (Abstartups) em parceria com a consultoria Deloitte, 92,1% dos fundadores são heterossexuais, enquanto apenas 2,9% são homossexuais, 1,8% bissexuais e 3,2% na categoria “outros”. O estudo revela que a porcentagem de fundadores não binários ou de gênero fluído é de 0,2% e de mulheres transgênero, 0,1%.

No recorte étnico-racial, enquanto 56% dos brasileiros se autodeclaram negros, segundo dados do IBGE, apenas 19,1% das founders brasileiras são negras (sendo 5,8% pretas e 13,3% pardas), de acordo com o Female Founders Report 2021.

Lícia, CEO da We Impact, reconhece a importância de promover oportunidades com foco na interseccionalidade, e diz que essa é uma das prioridades da companhia para os próximos anos. “Temos 4 investidas e todas são mulheres brancas. Frente a isso, tomamos alguas atitudes no ano passado [para mudar esse cenário], acessando redes já organizadas, especificamente de mulheres negras”, afirma.

Entre elas, o PreCapLab, programa da DIMA Ventures Lab que prepara empreendedores negros para o processo de captação de investimento de capital de risco, do pitch à negociação dos termos contratuais.  “Apoiamos o PreCapLab com mentorias para que as empreendedoras negras cheguem mais preparadas para o momento da captação de recursos”, acrescenta. Segundo Lícia, a We Impact está sendo estruturada para incluir o olhar intencional para a interseccionalidade em seu modelo de negócio.

No caso do Sororitê, Flávia Mello afirma que a rede sempre busca apoiar mulheres com diferentes marcadores de diversidade. “Nos aliamos a parceiros que fazem trabalhos maravilhosos de ajudar a startup a sair do zero”, diz. Ela cita a DIMA Ventures Lab, Black Founders Fund, do Google, Sebrae for Startups para empreendedores negros e mulheres em fintech.